Mundial de Trail Runnning Espanha 2018 – eu vivi

Fique por dentro dos bastidores do Campeonato Mundial de Trail Run. Basta pegar carona no relato do nosso colunista José Virgínio. O educador físico participou do campeonato na última edição como atleta e voltou em 2018 como técnico da seleção. Confira!

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Um dos grandes desafios da minha vida foi quando me propus a andar de bicicleta, ou melhor, aprender a andar de bicicleta, pois não conseguia nem subir, quanto mais andar em cima dela. Foi algo que pensei que nunca fosse conseguir, mas alguns tombos, ralados e muitos mertiolates depois (que na época doíam mais do que cair no asfalto) aprendi.

Nas minhas primeiras aulas de datilografia, com teclas sem ordem alguma, novamente pensei que seria algo impensável para o meu cérebro aprender, porém outra vez me surpreendi. Imaginem a história para aprender a dirigir um carro…

Depois da bicicleta, das aulas de datilografia, de aprender a pilotar moto, dirigir carros e encarar aquela matéria na escola ou na faculdade que nem colando se resolviam, eu continuo tendo esses tipos de desafios para lidar dentro da minha massa cinzenta.

Mas, o desafio agora ia muito além de saber ou aprender, mas sim transmitir justamente tudo o que foi absorvido ao longo da vida acadêmica, atlética e nas inúmeras passagens em trilhas por onde passei. Pensa num cara feliz pelo reconhecimento, mesmo que por uma dezena de dias e um bocado de horas. Ufa! Virei técnico da seleção brasileira de ultra Trail no mundial de 85 km na Espanha – Penyagolosa – 2018.

Já são 11 anos de trail running dentro e fora do Brasil, mais de 20 anos de corrida e 19 de formação acadêmica, então colocar este momento em minhas retinas realmente foi algo único. Pude viver este momento de forma intensa e real, pude tocar, voltar lá e tocar novamente para ver se era verdade mesmo.

Quando estive no mundial de Ultra Trail de 50 km na Itália na cidade de Badia Prataglia em 2017 como corredor, pude passar e sentir todas as emoções que um atleta de seleção brasileira poderia passar antes, durante e depois. Para 2018 o cenário me reservou uma missão na mesma proporção, na mesma importância para o trail nacional e com o mesmo grau de desafio de aprender a andar de bicicleta.

2018 Trail World Championships – 85 km – Espanha eu fui.

Com um time composto pelos melhores da nossa modalidade no momento, posso dizer que depois de 11 anos dentro do trail todos que ali estavam eram amigos de trilhas, homens e mulheres que buscam fazer o melhor. Tive a oportunidade de correr, disputar e brincar com todos eles antes mesmo desse cenário de Mundial, afinal são 11 anos de muita busca em fazer amigos pelos caminhos que percorro.

A viajem para a Espanha foi tranquila, o hotel era o melhor de todos os Mundiais da modalidade, a hospitalidade ímpar para todas as seleções e o restaurante possuía os mais variados cardápios para atender a todas as opções alimentares. Isso sem contar os inúmeros idiomas e dialetos que meus ouvidos foram capazes de captar.

Tive a chance de participar do 4º Congresso de Trail Running na Universitat Jaume, em Castellón, onde pude buscar mais conhecimento e informações sobre como está o trail run para o mundo e para a ciência. Depois foi hora de canalizar as emoções e energias para nosso time de trailrunners nacional composta por: Maria Cecilia Ramos, Cyntia Terra, Manuela Vilaseca, Lara Martins, Silvia Durigon, Célio Augusto Rosa, José Mirailton, Jovadir Acedo, Francisco Santos, Cleverson Luis Del Secchi e nosso chefe de delegação, Sidney Togumi.

Depois de cruzar pelas ruas da cidade de Castellón com nossa bandeira tremulando, peito estufado com nosso agasalho do Brasil, eu tinha somente um pensamento: Eu sou especial. Obrigado Senhor por me proporcionar sabedoria para ali estar.

Depois de muitas risadas, trocas de informações/experiênciase e um bate papo entre todos da seleção direcionado por mim e Togumi, era hora de jantar, preparar os equipamentos, separar as vestimentas da seleção, colocar a cabeça no travesseiro e sonhar com o dia seguinte, afinal já estávamos a poucas horas da largada.

É lógico, que as horas não passavam na ânsia de chegar o grande dia, mas elas passaram tão rápido para o Dia “D”, que quando menos esperei lá estávamos: eu e Togumi vibrando e gritando como duas crianças que acabaram de ganhar um presente. Esse momento durou cerca de quatro minutos, tempo suficiente para os mais de 350 atletas das mais de 49 nações percorrem os 270 metros da pista de borracha do estádio da cidade de Castellón. Tudo isso rumo aos mais de 85 km de trilhas e estradas que estavam reservadas a todos os trailrunners internacionais.

Ufa! Eles se foram e um único pensamento replicava em minha cabeça: que não falte alegria nas pernas. Éramos dois na torcida, mas tinha certeza que não estávamos sozinhos, pois no Brasil muitos estavam na mesma sintonia.

Dividimos os pontos de apoio aos atletas, Togumi para um lado e eu para o outro, mais especificamente no quilometro 40 da prova. Nesse ponto pude transmitir emoção, vibração e energia para todos, mas foi também o local onde pude ver o americano Zach Miller passar soberano na frente e 3min15 depois o espanhol Luiz Alberto voar para buscar do líder. Foi lá também que me emocionei com a chegada de todos os brasileiros que passavam.

Foi um grande momento ver cada um chegando, se hidratando, se alimentando e falando comigo em perguntas curtas e objetivas. “Como você está guerreiro, guerreira?”, “você está raciocinando?”, “você sabe o que quer daqui para frente”, “Spartanoooooooo – Hu”. Sim, todos buscaram fazer o melhor, estarem bem no dia, afinal todos queriam estar ali e lembravam de cada treino que haviam feito, pois queriam mais.

Eu sabia que no posto de controle do km 40 eu era somente um cara que estava tomando conta dos suplementos e equipamentos dos atletas e orientando para o caminho correto a ser seguido, mas eu queria fazer mais do que isso. Lembrei que, ao correr por horas a fio, uma camada de sal tende a se acumular no meu rosto deixando uma sensação de cansaço maior, então pensei em fazer mais por eles e procurei uma esponja para embebedar em água e tirar este peso do rosto de cada um.

Não achei a esponja propriamente dita, mas percebi que minhas meias eram boas o suficiente para este momento e foi assim que pude ajudá-los a sair mais aliviados e leves. É claro que não pude contar isso antes.

Bom, creio ter entregue o que me foi incumbido como técnico da seleção brasileira de trail para este mundial, mas agora era hora de voltar aos meus sonhos e ambições dentro do esporte, então bora treinar. Afinal, tenho muitas trilhas para desbravar o mais rápido possível.

Obrigado a todos que, assim como eu, curtiram e se emocionaram com cada momento que nossa seleção nos reservou para este Mundial. obrigado pelo carinho, respeito, emoção e por acreditarem em todos, seja dentro ou fora do Trail World Championships.

Missão entregue, comunidade TRAIL, Brasil.

A equipe masculina do ficou na 17ª colocação, enquanto o time feminino obteve a 13ª posição. Ficamos com o 2º posto na América do Sul tanto no masculino quanto no feminino.

O Time vencedor tanto no masculino como no feminino foi o da Espanha.

José Mirailton (@josemirailton) foi o melhor brasileiro entre os homens, completando a prova na 45º colocação com 10h04min05.Cleverson Del Secchi (@fantasma_cle) terminou na 61º colocação em 10h20min04

Célio Augusto Rosa (@celinho.atleta) foi o 112º com 11h17min23.

Silvia Durigon (@sildurigon), que fez uma excelente estreia no mundial, foi a melhor brasileira completando a prova na 30ª colocação com 11h38min29.

Manuela Vilaseca (@manuvilaseca) chegou na 45ª colocação com 12h11min56.

Lara Martins (@lgm_br ) ficou na 73ª colocação com 13h08min37.

Cissa Ramos (@ciramoscruz ) finalizou na 87ª posição com 13h40min30.

Chico Santos (@chico_santos_santos_oficial), Jovadir Junior Acedo (@junior.acedo) e Cyntia Terra (@terracyntia ) abandonaram a prova.

Como técnico, atleta, amigo e amante do Trail, expresso aqui que senti nos atletas um compromisso único da parte de todos: entrega nos treinos e na prova por todos os quilômetros em que passaram.

Quando a vida/trilhas nos colocam em uma rota de exploração, busca ou simplesmente para adquirir algo para transmitir ao próximo, nem sempre estaremos prontos para entregar a missão em 100%. Por isso: “NEVER STOP EXPLORING”.

Até a próxima.

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