Será que posso tomar BCAA e comer ovo? O que está acontecendo com a ciência nutricional?

“Medicina é a ciência da incerteza e a arte da probabilidade”. -William Osler-

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Em 23 de agosto de 2001 eram finalizadas as diretrizes de cardiologia sobre as dislipidemia (doenças relacionadas ao colesterol) e umas das orientações era restringir o consumo de colesterol a 200mg por dia. Como um único ovo contem 225mg isso gerou uma orientação “mítica” de consumir no máximo 3 unidades por semana. Orientação mítica, porque em nenhum lugar no documento existe tal afirmação. Os médicos, assim como os nutricionistas precisam estar atentos pra não se transformarem em propagadores de mitos como estes.

Em 2007 a doutora Aaron E Carroll, em artigo publicado no jornal americano de medicina, apontava os mitos comuns entre médicos (como a crença na orientação do consumo de 8 copos de água por dia, ou que humanos utilizam apenas 10% da capacidade do cérebro. A razão para a propagação destes mitos, mesmo entre profissionais de Saúde se dá, em parte, pela avalanche de publicações e dados de pesquisas divulgados quase que diariamente. O que até ontem parecia verdade a partir de hoje já não é mais. Contudo, isso não é bem assim: a Ciência, e o estabelecimento da verdade, ocorre em uma dança em que a prática possibilita errar cada vez menos os passos. Esse erro acontece quando dançarinos iniciantes (médicos e nutricionistas) acreditam ter alcançado a perfeição do movimento.

William Osler deixa claro que o conhecimento médico é uma questão de conhecer e dominar as probabilidades: a cada nova dança, mais se domina e se aprimora o movimento. Da mesma forma é a verdade científica: cada vez que aumenta o número de pesquisas sobre um determinado assunto maior será a certeza do que se afirma. Por exemplo, em 2005 o Instituto Internacional de Nutrição Esportiva, diante das poucas pesquisas sobre o BCAA (amioacidos de cadeia ramificada) afirmaram: esses achados sugerem que a suplementação de BCAA pode ter algum impacto na composição corporal. Passados mais de uma década e um volume elevado de pesquisas sobre o tema resultou na afirmação pelo mesmo instituto: “Concluímos que a alegação de que o consumo de BCAA na dieta estimula a síntese de proteína muscular ou produz uma resposta anabólica em seres humanos é injustificada. Ou seja, “o que concluímos em 2005 não se justifica”.

Em 2017 na atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, já com um conjunto muito maior de informações derivadas de pesquisas, concluiu que o consumo de colesterol alimentar não é o responsável pela elevação do colesterol sanguíneo. O que mais aumenta o LDL-c(“mau colesterol”) são gorduras trans (gordura vegetal parcialmente hidrogenada), que estão presentes na maioria dos alimentos industrializados o que resultou na “absolvição do ovo”.

Vamos comparar a construção do conhecimento científico ao processo de aprender a dançar, onde as fases de tentativa/erro/acerto que conduz ao aprendizado e também a formação do saber. É esta fase do conhecimento que os pseudocientistas, heróis e milagreiros atuando como uma espécie de xamã, usam para interpretar as informações segundo seus interesses. O que era apenas o ensaio de um passo é transformado na dança completa, em outras palavras, uma incerteza é vendida como algo exato, ou seja, o que se suspeitava funcionar, como no caso do BCAA, passou a ser a verdade e sua prescrição tornou se quase que obrigatória para aqueles que buscavam os melhores resultados.

Diante do fato de temermos a morte é prudente seguir as orientações dos xamas que validaram práticas até então duvidosas, como alimentos alcalinizantes do sangue, sob alegação de que doenças são provocadas por alterações da acidez do sangue, como fato absolutamente verdadeiro. Qual o problema desta confusão sobre a verdade científica apoiada em pesquisas e reprodução de resultados, e as verdades validadas pelos xamãs sobre o argumento do número de seguidores? Abandono de tratamento médico-nutricional consolidados por alternativas com pouco ou nenhuma evidência. Gasto financeiro com aquisição de produtos sem eficácia, como BCAA para ganho de músculo.
A alternativa está em consultar profissionais atualizados ou procurar “certezas” no horóscopo do dia.

Rony Damaceno – Nutrição Esportiva
CRN1 2408
Nutricionista pela UFMT
Acadêmico de Medicina
65 | 99928-2332
Email: rony.nutricionista@gmail.com
Instagram: @ronynutricionista

 

Fonte Bibliográfica
-Sposito, A. C., Caramelli, B., Fonseca, F. A. H., Bertolami, M. C., Afiune Neto, A., Souza, A. D., … Salgado, W. (2007). IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose: Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 88, 2–19. https://doi.org/10.1590/S0066-782X2007000700002

-F, S. F. W. F. A. I. M. S. J. C. A. B. H. A. N. A. B. A. P. A. L. A. S. A. C. A. C.-F. A. S. A. A. F. A. C. B. M. C. M. D. N. C. F. C. S. C. (2017). Atualização Da Diretriz Brasileira De Dislipidemias E Prevenção Da Aterosclerose – 2017. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 109(1). https://doi.org/10.5935/abc.20170121

-Grubba, L. S., & Sankey, D. H. (2015). Verdade cotidiana : qual a verdade científica ?
Wolfe, R. R. (2017). Branched-chain amino acids and muscle protein synthesis in humans: Myth or reality? Journal of the International Society of Sports Nutrition, 14(1), 1–7. https://doi.org/10.1186/s12970-017-0184-9

-F, S. F. W. F. A. I. M. S. J. C. A. B. H. A. N. A. B. A. P. A. L. A. S. A. C. A. C.-F. A. S. A. A. F. A. C. B. M. C. M. D. N. C. F. C. S. C. (2017). Atualização Da Diretriz Brasileira De Dislipidemias E Prevenção Da Aterosclerose – 2017. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 109(1). https://doi.org/10.5935/abc.20170121

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