O segmento de corrida em trilha vem crescendo cada vez mais, tanto é que Mato Grosso está iniciando o Campeonato Estadual da modalidade. Mas você já tem seu tênis apropriado para correr nesse tipo de terreno? Sabe a importância de ter um tênis assim? E ainda, sabe que os tipos de tênis para correr em trilha possuem diferenças entre eles, justamente para se adaptar ao terreno específico onde você vai correr? Para responder a essas perguntas que muitas vezes povoam a cabeça dos corredores em trilha, principalmente os iniciantes, trouxemos histórias e dicas de um atleta do nosso estado, o ultra Marcelo Felix da Silva, ou Marcelo Zulu, e também do treinador, atleta e especialista em Corridas de Montanha de Longa Distância, Manuel Lago, do Rio de Janeiro (RJ).
Difícil dizer qual o melhor
Os atletas ouvidos pelo ULTRAMACHO são unânimes em dizer que o modelo de tênis é uma coisa pessoal, mas que é essencial ter conforto e proteção nos pés. “Quando falamos em tênis, temos que ter em mente o conforto! Sim, se o tênis não for confortável pra você, não vai lhe servir em nada. Então, antes de mais nada, ao experimentar um tênis, repare se a primeira sensação é aquela de “que delícia de tênis”. A partir daí, podemos entender qual seriam as outras características importantes para o Trail Run”, explica o treinador e atleta Manuel Lago, conhecido como M.L.
M.L. conta que começou a correr provas de Trail Run em 2009 e até hoje se aventura em trilhas do Brasil e mundo afora. “Já rodei muito lugar nacionalmente, mas o que sempre me guiou foi competir internacionalmente e poder estudar e vivenciar a cultura Trail dos outros países/atletas”.
Cadarço não pode desamarrar
A primeira dica que M.L. dá sobre tênis para trilha está relacionada ao cadarço. Não pode desamarrar com facilidade. Mesmo sabendo dar bons nós, ainda assim existem cadarços com materiais que não são bons em permanecer amarrados, por falta de aderência, algumas vezes.
Outro fator a ser levado em consideração é a respirabilidade do calçado. “Provas onde você vai enfrentar lama, travessia de rios, chuva, requerem tênis que fiquem secos de forma mais rápida a fim de castigar menos suas unhas, principalmente”, explica Manuel.
Vamos falar agora sobre o grip, mais conhecido como solado do tênis! Ele tem algumas peculiaridades que precisam ser levadas em consideração. A primeira é não ficar com muito barro agarrado, ou seja, “não dá para atravessar um estradão argiloso e ficar muito tempo depois com aquele barro agarrado na sua sola”. Segunda, um grip mais alto favorece a tração em terrenos escorregadios promovendo maior estabilidade a sua corrida. “E por último, a altura do grip não pode deixar você instável, com receio em correr mais rápido. O uso de tênis adequado não irá te livrar de escorregões e quedas durante a trilha, a técnica importa mais que o tipo de tênis, mas lembre-se sempre: seus pés são a sua ferramenta de trabalho. Proteja-os!”
Manuel completa: “Esteja sempre atento e treine em todas as situações, em todos os terrenos e com qualquer condição climática”, alerta o treinador.
A importância da aderência na lama, pedra e pedregulho
O ultra atleta, Marcelo Zulu, destaca a importância e em que situações essas “importâncias” do tênis de trilha são aplicáveis em uma prova. “O diferencial do tênis de trilha é o desenho do seu solado e também a variação de tamanho, altura, das travas, sempre prevendo maior aderência, maior atrito com o terreno em que se está correndo. Nesse sentido, o solado vai ajudar nas corridas em que o terreno não é firme, não é chão batido, não é estradão, é de composição solta, que pode ser areia, pedregulho, isso estando seco. E caso esteja molhado, aí ainda é maior a necessidade do tênis de trilha, pois o solo vai estar mais escorregadio, mesmo em pedra. A pedra, quando está molhada, fica mais escorregadia, e o tênis de trilha vai te ajudar ou aumentar a aderência nesse tipo de terreno”, explica.
Zulu lembra que quanto mais acidentada a trilha ou terreno, seja íngreme na subida ou descida, o tênis de trilha é fundamental pra não te deixar escorregar, quer seja na subida ou na descida, se precisar frear. “Você vai querer diminuir a velocidade por estar a favor da gravidade, e se não estiver com o tênis correto, tende a escorregar”, completa.
Outro ponto importante é quando a corrida tem single track, que são as trilhas nas quais só passam uma pessoa, trilhas mais técnicas. Normalmente, são percursos mais acidentados e que não possuem tanta aderência. Nesses trechos, Zulu conta que o tênis adequado é fundamental, principalmente quando há a necessidade de fazer ultrapassagens, dando mais segurança.
Zulu nos conta algumas de suas experiências em provas, principalmente nas grandes, nas ultra trail, acima de 42 quilômetros, com muita altimetria e como, em praticamente todas, o uso de tênis de trilha fez a diferença. “Fiz uma prova de 100km em Machu Picchu, eu lembro de um momento lá, inclusive já estava meio escuro, o sol tinha acabado de se pôr, no meio da mata, então não tinha mais visão. Apesar da lanterninha, a visão era limitada e eu estava em uma descida totalmente enlameada. Tinha chovido, era pura lama, muito técnica, muita raiz, ali se eu não estivesse com tênis de trilha, teria que ir caminhando para não ter perigo de me machucar, de cair. Então o tênis me permitiu poder descer correndo, independente da velocidade, do pace, mas descer correndo”.
Na sequência, em outra prova, na Ultra de Videira, na região de Petrópolis (RJ), Zulu conta que enfrentou uma situação chamada “lajeiro”, que é uma pedra imensa, e que estava úmida. “Se eu não estivesse com tênis de trilha ficaria bem ruim pra fazer, e em seguida veio uma descida semelhante a de Machu Picchu. Para se ter uma ideia, o tênis travava tanto, mas eu não estava com uma amarração adequada, e meu pé escorregava para frente do tênis, então meus dedos ficaram espremidos. Mas o tênis segurava, quem sofreu um pouco foram meus dedos, mas me freou, possibilitando descer sem escorregar”, lembra.
Outra prova citada por Zulu foi a Ultra de Perdidos, na região de Curitiba (PR), em 2019, onde fez trechos com situações parecidas com as outras provas, com lama, descida e subida íngreme, single track, e tinha uma pedra grande que precisava descer, mas estava seco o local, e mesmo assim, sentia que o que segurava eram as travas do tênis. “Se fosse um tênis para uma superfície mais lisa, como o de asfalto, muito provavelmente iria escorregar. Ia ter que descer sentado, igual escorregador. Eu pisava e sentia que o tênis segurava. Consegui descer naquela pedra, super inclinada e me dando segurança”, completa.
Tipos de tênis de trilha
O objetivo dos tênis para corrida em trilha é aumentar a aderência em superfícies irregulares (molhadas, em muitos casos), além de proteger as articulações dos atletas. Por isso a importância da escolha do solado, ou grip, ou travas. Existem três tipos principais de solados de tênis de trilha: com travas altas e separadas; com travas menores e próximas; e mistos. Os tênis com travas altas e separadas são ideais para terrenos molhados, com lama e praticamente nenhuma aderência. Já os com travas menores e mais próximas umas das outras são utilizados em terrenos mais secos e irregulares, mas que permitam uma passada mais rápida do atleta. E por último, os mistos ou híbridos, que englobam características dos tênis de trilha e de rua, objetivando a performance tanto no asfalto quanto em trilhas de irregularidade baixa a moderada.
E aí, você já tem o seu? Não perca tempo, procure o tênis que mais se adeque ao seu pé e suas necessidades, e bons treinos e boas corridas!
REPORTAGEM: DANI DANCHURRA