Você sabe o que significa carpe diem? Para o filósofo australiano Roman Krznaric, o real significado da expressão “foi subvertido e corre o risco de desaparecer”. Durante a pesquisa para seu livro, Carpe diem: Resgatando a arte de aproveitar a vida, ele se debruçou sobre os mais de 2 mil anos de existência do lema, criado no fim do Império Romano pelo poeta Horácio e que se espalhou pelo planeta com traduções e interpretações diferentes. “A ideia do carpe diem está sendo roubada pelo consumismo”, concluiu Krznaric.
No texto, o filósofo remonta a história da expressão passando pelos vários significados e contradições que a acompanham. Mas o livro não é uma análise histórica e sim uma reflexão sobre o presente, cheio de referências contemporâneas, do cinema à música, passando por personalidades como Steve Jobs e David Bowie. Trocamos uma ideia com ele, que é também fundador da The School of Life, escola de inteligência emocional que nasceu em Londres e se espalhou por países como França, Turquia, Alemanha, Coreia do Sul e Brasil, onde funciona desde 2013, em São Paulo.
Qual sua primeira lembrança sobre o carpe diem?
Roman Krznaric. A primeira vez que ouvi carpe diem foi no filme Sociedade dos Poetas Mortos, com Robin Williams. Lembro do momento em que ele fala na sala de aula que “somos comida de minhoca”, que todos vão morrer e diz: “Carpe diem, façam da vida de vocês algo extraordinário”. Percebi que eu também vou ser comida de minhoca, apesar de tudo na sociedade me dizer que nunca vou morrer. A publicidade diz até que vamos sempre ser jovens. Decidi escrever um livro sobre isso porque a ideia do carpe diem – que é muito antiga, foi pronunciada pela primeira vez há mais de 2 mil anos, pelo poeta latino Horácio – está sendo roubada pelo consumismo. Quando a Nike diz “just do it” em seu slogan está tentando dizer que aproveitar o dia é comprar alguma coisa. Achei importante lembrar que não devemos deixar nossa liberdade de escolha ser uma liberdade de escolher entre marcas. A gente precisa ser maior. Também escrevi o livro por causa da cultura digital. A gente checa a internet o tempo todo, é o “just tweet it”. O carpe diemsempre foi sobre ter experiências diretas do mundo. Claro que pela tela é possível sentir coisas reais, chorar e rir, mas existe uma diferença entre jogar tênis e assistir a uma partida de tênis. A gente começa a virar observadores da vida dos outros e isso também é roubar o espírito do carpe diem. No livro, tento encontrar um antídoto para o que está acontecendo com a liberdade humana.
Conseguiu? É difícil porque nossas vidas estão consumidas pelo consumismo e pelas mídias digitais, que estão tentando roubar nossa atenção e vendê-la para anunciantes. Mas existem maneiras de recuperar o carpe diem e uma delas é se tornar um detetive de suas próprias escolhas. Pare e pense todos os dias sobre as escolhas que você fez hoje. Não viva a vida automaticamente. Seja super consciente das suas decisões, isso é metade do caminho. Precisamos pensar sobre a morte, acho que devemos ter uma pausa diária para pensar sobre a morte. Não precisa pensar em você morto deitado no caixão, mas sim em como você quer viver até a morte. Imagine você está morto e vai jantar com os outros vocês que poderia ter sido se tivesse feito outras escolhas. Aquele que estudou muito, o outro que virou um alcoólatra, o que não se esforçou para manter suas relações. Pense nessas versões de você e veja com quem você quer conversar, de quem você gosta. É um jeito de pensar o que fazer com essa única vida que temos.
Mas a ideia do carpe diem é sobre pensar o presente ou o futuro? Estamos sempre nessa dança entre passado, presente e futuro. No livro, falo sobre os cinco diferentes significados do conceito: aproveitar as oportunidades e ir em novas direções; espontaneidade; hedonismo, os prazeres da vida; outra é estar no momento presente e a última é a política. A quarta maneira, estar no agora, ganhou um significado novo. Há 500 anos, o carpe diem não era isso, mas hoje é estar no momento presente. Foi uma mudança impressionante que tem a ver com o stress, com o mindfulness.
Conseguir aproveitar o carpe diem às vezes parece ser um privilégio de classe…
No capítulo sobre as oportunidades, perfilo a escritora americana Maya Angelou. Ela veio de um passado pobre e valorizava o carpe diem porque não tinha nada mais. Se ela queria fazer algo da vida, tinha que correr riscos. Aproveitar o dia não é só para os ricos. Todos temos que fazer escolhas, alguns têm mais opções que outros. Mas todos temos. Seja rico ou pobre, você tem que pensar sobre o que importa pra você. Se você é uma criança indígena na Guatemala, onde passei muito tempo, você não tem tantas escolhas. Então eu, como privilegiado, tenho que pensar como o carpe diem pode ser universalizado. O que posso fazer para ser útil, para que as pessoas façam escolhas valiosas em suas vidas? A maioria das pessoas acha que o carpe diem é ter prazer agora, pular de paraquedas, mas isso é uma versão neoliberal do carpe diem que tento combater.
Carpe diem e empatia têm alguma coisa a ver? Estão ligadas porque empatia é sobre expandir nossa humanidade, estar nos sapatos de gente diferente, de minorias, e isso é a essência de movimentos sociais, que, na minha visão, estão muito ligados ao carpe diem. Só a empatia não cria um movimento, é preciso pensar em como unir as pessoas e, da fato, criar as mudanças. É sobre estar no momento presente. Um exemplo disso é queda do Muro de Berlim, em 1989. As pessoas aproveitaram aquela oportunidade. Você precisa da energia do carpe diem, que faz você se perguntar de onde vieram os seus valores, se perguntar se essas decisões são mesmo suas. O carpe diem pergunta: Como eu quero viver? Ter consciência disso pode ser exaustivo, não é sempre divertido. Mas um dos motivos pelos quais escrevi o livro é ser um lembrete do valor da liberdade, é sobre o que aconteceu com a liberdade hoje em dia, parcialmente roubada pelo digital, pelo consumismo e também pela política do medo.